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Cruz, Rafael C.; Vilella, Fábio S.
A definição de normas e ferramentas
que sirvam para qualificar a análise dos
processos de licenciamento de empreendimentos
hidrelétricos na bacia 75, que em síntese pode
ser considerado como o objetivo primeiro desse
estudo, certamente poderá ser obtida a partir
dos resultados aqui apresentados.
Foram diagnosticados e discutidos
diversos aspectos relacionados aos impactos
decorrentes desse tipo de empreendimento, tanto
os já realizados como aqueles que venham a
ocorrer, se os potenciais barramentos forem
implantados. Todavia, ficou evidente que um
diagnóstico correto das atuais condições
ambientais das áreas afetadas e, ainda, um
prognóstico adequado do que poderá ocorrer em
termos de alterações, dependem, sobremaneira,
da qualidade das informações que serão
disponibilizadas ao licenciador. Em função
disso, sobressai deste trabalho a necessidade de
qualificar os bancos de dados disponíveis, sem
os quais esta ferramenta de avaliação não
terá funcionalidade e, tampouco, eficiência.
Como instrumento para assessoramento
à tomada de decisões, a base de dados
georreferenciada disponível atualmente permite a
redução de uma certa parcela da subjetividade
intrínseca ao processo de tomar decisões. No
entanto, esta redução é limitada pela
qualidade dos dados disponíveis. Mesmo para
análise de impactos na escala de toda a bacia
hidrográfica, como proposto neste estudo,
existem limitações de dados básicos que
impedem uma aplicação mais acurada dos modelos
de favorabilidades. Por exemplo, os mapas de
solos disponíveis para a bacia são originários
de mapa na escala 1:750.000, já os de
geomorfologia, na escala 1:1.000.000. As
informações acerca da qualidade da água foram
obtidas a partir de avaliação de cargas
remanescentes ou brutas potenciais, calculadas a
partir de dados secundários sobre a malha
municipal. Também existe um viés referente às
bases de dados de registros de ocorrências de
fauna e flora, que favorece as áreas situadas
mais próximas dos centros acadêmicos e aonde
já existem estudos de empreendimentos já
existentes.
Considerando-se o critério de
fragmentação de rios, que indica a propagação
a montante e jusante dos impactos da instalação
de barramentos, este estudo mostra-se incompleto,
uma vez que não inclui os inventários
existentes para avaliação dos impactos sobre a
bacia, de outros usos, principalmente, as
represas para fins de irrigação (UFSM, 2002),
bem como não existem levantamentos acurados
sobre a ocorrência de barreiras naturais, como,
por exemplo, cachoeiras.
A grande quantidade de estudos que,
obrigatoriamente, acompanham os processos de
licenciamento de hidrelétricas e outras obras
que interferem com os cursos de água, poderiam
se constituir em uma importante fonte de
informações, desde que realizados com apuro,
ética e responsabilidade. A análise realizada,
pela equipe responsável por este trabalho,
demonstrou, com clareza, que isso nem sempre
ocorre, havendo quantidade significativa de
estudos inadequados e tecnicamente insuficientes.
Portanto, urge, como condição
básica para a qualificação do processo, que o
nível de exigência do órgão licenciador seja
aprimorado, definindo um escopo mínimo dos
estudos que contemple, pelo menos:
1. Meio Físico
Instalação de uma rede de
monitoramento de vazões, qualidade da água e
sedimentometria adequada para a avaliação de
sub-bacias (a rede atual está configurada para
monitoramento de toda a bacia do Uruguai);
Estudo para caracterização do
regime de pulsos hidrológicos, identificação
do pulso significativo de mais alta freqüência
e determinação da freqüência de amostragem
para análises referentes a qualidade da água;
Obtenção de cartas temáticas do
meio físico (solos, geologia, geomorfologia)
compatíveis com a análise de sub-bacias (pelo
menos 1:100.000, com densificação de pontos de
amostragem a campo compatíveis com a escala);
Avaliação das mudanças na
erosividade das margens de rios como função das
modificações do regime de pulsos hidrológicos
tanto à jusante como à montante do
empreendimento;
Avaliação da interferência na
erosão, transporte e deposição de sedimentos e
nas atividades de mineração em leito de rio,
formais e informais, existentes à jusante do
empreendimento.
2. Meio Biótico
Sazonalidade (amostragens na
primavera e no outono, pelo menos);
Avaliação de macroinvertebrados
bentônicos, peixes, anfíbios, répteis, aves e
mamíferos, pelo menos;
Avaliação de condições de
hábitat, ecótopos e ecótonos, dos trechos a
serem afetados pelo empreendimento;
Padronização de metodologia de
captura, de acordo com bibliografia atualizada;
Tombamento das espécies coletadas,
para confirmação de identificação;
Levantamentos quali-quantitativos da
vegetação a ser suprimida, com mapeamento em
escala não inferior a 1:10.000 da área
diretamente afetada, assim como da faixa ciliar
ao longo de todo o trecho de rio afetado;
Avaliação criteriosa da necessidade
de instalação de mecanismo adequado de
transposição da fauna aquática, baseado nas
características das espécies e hábitats
envolvidos.
3. Meio Antrópico
Estudo de localização de áreas
para o remanejo da população diretamente
afetada pelo alagamento, considerando-se a
possibilidade de remanejamento conjunto e a busca
de áreas próximas;
Análise de risco em função do
rompimento de barragem para as populações
ribeirinhas;
Avaliação da interferência com
balneários e pontos de importância turística;
Avaliação da interferência no
patrimônio histórico, arqueológico e
paleontológico;
Avaliação sócio-econômica do
setor pesqueiro (profissional, amador e de
subsistência);
Avaliação do impacto do rompimento
de laços históricos, familiares e culturais da
população afetada;
Avaliação do impacto econômico do
empreendimento na micro-região;
Avaliação econômica de recursos
potenciais para usos múltiplos;
Estudo empírico para avaliação da
posição da comunidade local sobre o
empreendimento.
4. Todos os Meios
Definição de área de influência
do empreendimento que inclua todos os trechos de
rios que tiverem seu valor modificado pela
inserção do empreendimento na rede de drenagem;
Implantação de um banco de
consultores, com exclusão daqueles que
apresentarem comportamento insatisfatório ou
anti-ético.
O tipo de estudo a ser exigido
obviamente deverá seguir a legislação vigente
que estabelece a necessidade ou não de Estudo de
Impacto Ambiental. Todavia, poderá ser feito um
maior detalhamento dos critérios, passando a
considerar, além do porte do empreendimento, o
seu local de inserção. Nos trechos de rio em
que foi indicado que há pouca favorabilidade, se
não for vetada a instalação por esse motivo,
deverá ser exigido EIA mesmo que se trate de
empreendimento de pequeno porte.
De acordo com os resultados deste
estudo, a sub-bacia do rio Ijuí apresenta-se
mais favorável à instalação de
hidrelétricas, basicamente em função da
degradação dos ambientes do entorno e do grande
número de barramentos já instalados.
Os rios Icamaquã e Piratinim, de
forma diferente, mantém íntegros grande parte
dos seus ambientes. Considerando os resultados
obtidos e o critério de manutenção de rios
livre, indicado pela Comissão Mundial de
Barragens, esses dois rios são apontados como
áreas importantes para a conservação. Ao se
preservar os rios Icamaquã e Piratinim
pretende-se garantir a conservação de dois
tipos distintos de rios que possibilitem a
manutenção de processos ecossistêmicos
naturais como a dinâmica de nutrientes, a
zonação natural de hábitats ao longo de seus
cursos e a dinâmica das populações de
organismos aquáticos silvestres, incluindo a
migração de espécies de peixes. Sugere-se
ainda que através de ato do poder público,
ambas bacias sejam consideradas como patrimônio
de relevante importância ecológica do estado do
Rio Grande do Sul, merecendo cuidados especiais
na conservação da integridade de seus ambientes
e processos ecológicos.
A sub-bacia com ambientes mais
preservados certamente é a do rio Butuí,
conseqüência do padrão menos intenso de
exploração dos recursos naturais observado na
região. Em função disso e ainda de outros
fatores, como a presença da Reserva Biológica
do banhado do São Donato, essa é a sub-bacia
que apresenta menor favorabilidade à
implantação de empreendimentos hidrelétricos,
sendo vetada integralmente a instalação de
barramentos de qualquer tipo.
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