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        7. PROPOSIÇÕES E CONSIDERAÇÕES
       

Cruz, Rafael C.; Vilella, Fábio S.

A definição de normas e ferramentas que sirvam para qualificar a análise dos processos de licenciamento de empreendimentos hidrelétricos na bacia 75, que em síntese pode ser considerado como o objetivo primeiro desse estudo, certamente poderá ser obtida a partir dos resultados aqui apresentados.

Foram diagnosticados e discutidos diversos aspectos relacionados aos impactos decorrentes desse tipo de empreendimento, tanto os já realizados como aqueles que venham a ocorrer, se os potenciais barramentos forem implantados. Todavia, ficou evidente que um diagnóstico correto das atuais condições ambientais das áreas afetadas e, ainda, um prognóstico adequado do que poderá ocorrer em termos de alterações, dependem, sobremaneira, da qualidade das informações que serão disponibilizadas ao licenciador. Em função disso, sobressai deste trabalho a necessidade de qualificar os bancos de dados disponíveis, sem os quais esta ferramenta de avaliação não terá funcionalidade e, tampouco, eficiência.

Como instrumento para assessoramento à tomada de decisões, a base de dados georreferenciada disponível atualmente permite a redução de uma certa parcela da subjetividade intrínseca ao processo de tomar decisões. No entanto, esta redução é limitada pela qualidade dos dados disponíveis. Mesmo para análise de impactos na escala de toda a bacia hidrográfica, como proposto neste estudo, existem limitações de dados básicos que impedem uma aplicação mais acurada dos modelos de favorabilidades. Por exemplo, os mapas de solos disponíveis para a bacia são originários de mapa na escala 1:750.000, já os de geomorfologia, na escala 1:1.000.000. As informações acerca da qualidade da água foram obtidas a partir de avaliação de cargas remanescentes ou brutas potenciais, calculadas a partir de dados secundários sobre a malha municipal. Também existe um viés referente às bases de dados de registros de ocorrências de fauna e flora, que favorece as áreas situadas mais próximas dos centros acadêmicos e aonde já existem estudos de empreendimentos já existentes.

Considerando-se o critério de fragmentação de rios, que indica a propagação a montante e jusante dos impactos da instalação de barramentos, este estudo mostra-se incompleto, uma vez que não inclui os inventários existentes para avaliação dos impactos sobre a bacia, de outros usos, principalmente, as represas para fins de irrigação (UFSM, 2002), bem como não existem levantamentos acurados sobre a ocorrência de barreiras naturais, como, por exemplo, cachoeiras.

A grande quantidade de estudos que, obrigatoriamente, acompanham os processos de licenciamento de hidrelétricas e outras obras que interferem com os cursos de água, poderiam se constituir em uma importante fonte de informações, desde que realizados com apuro, ética e responsabilidade. A análise realizada, pela equipe responsável por este trabalho, demonstrou, com clareza, que isso nem sempre ocorre, havendo quantidade significativa de estudos inadequados e tecnicamente insuficientes.

Portanto, urge, como condição básica para a qualificação do processo, que o nível de exigência do órgão licenciador seja aprimorado, definindo um escopo mínimo dos estudos que contemple, pelo menos:

1. Meio Físico
Instalação de uma rede de monitoramento de vazões, qualidade da água e sedimentometria adequada para a avaliação de sub-bacias (a rede atual está configurada para monitoramento de toda a bacia do Uruguai);
Estudo para caracterização do regime de pulsos hidrológicos, identificação do pulso significativo de mais alta freqüência e determinação da freqüência de amostragem para análises referentes a qualidade da água;
Obtenção de cartas temáticas do meio físico (solos, geologia, geomorfologia) compatíveis com a análise de sub-bacias (pelo menos 1:100.000, com densificação de pontos de amostragem a campo compatíveis com a escala);
Avaliação das mudanças na erosividade das margens de rios como função das modificações do regime de pulsos hidrológicos tanto à jusante como à montante do empreendimento;
Avaliação da interferência na erosão, transporte e deposição de sedimentos e nas atividades de mineração em leito de rio, formais e informais, existentes à jusante do empreendimento.

2. Meio Biótico
Sazonalidade (amostragens na primavera e no outono, pelo menos);
Avaliação de macroinvertebrados bentônicos, peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos, pelo menos;
Avaliação de condições de hábitat, ecótopos e ecótonos, dos trechos a serem afetados pelo empreendimento;
Padronização de metodologia de captura, de acordo com bibliografia atualizada;
Tombamento das espécies coletadas, para confirmação de identificação;
Levantamentos quali-quantitativos da vegetação a ser suprimida, com mapeamento em escala não inferior a 1:10.000 da área diretamente afetada, assim como da faixa ciliar ao longo de todo o trecho de rio afetado;
Avaliação criteriosa da necessidade de instalação de mecanismo adequado de transposição da fauna aquática, baseado nas características das espécies e hábitats envolvidos.

3. Meio Antrópico
Estudo de localização de áreas para o remanejo da população diretamente afetada pelo alagamento, considerando-se a possibilidade de remanejamento conjunto e a busca de áreas próximas;
Análise de risco em função do rompimento de barragem para as populações ribeirinhas;
Avaliação da interferência com balneários e pontos de importância turística;
Avaliação da interferência no patrimônio histórico, arqueológico e paleontológico;
Avaliação sócio-econômica do setor pesqueiro (profissional, amador e de subsistência);
Avaliação do impacto do rompimento de laços históricos, familiares e culturais da população afetada;
Avaliação do impacto econômico do empreendimento na micro-região;
Avaliação econômica de recursos potenciais para usos múltiplos;
Estudo empírico para avaliação da posição da comunidade local sobre o empreendimento.

4. Todos os Meios
Definição de área de influência do empreendimento que inclua todos os trechos de rios que tiverem seu valor modificado pela inserção do empreendimento na rede de drenagem;
Implantação de um banco de consultores, com exclusão daqueles que apresentarem comportamento insatisfatório ou anti-ético.

O tipo de estudo a ser exigido obviamente deverá seguir a legislação vigente que estabelece a necessidade ou não de Estudo de Impacto Ambiental. Todavia, poderá ser feito um maior detalhamento dos critérios, passando a considerar, além do porte do empreendimento, o seu local de inserção. Nos trechos de rio em que foi indicado que há pouca favorabilidade, se não for vetada a instalação por esse motivo, deverá ser exigido EIA mesmo que se trate de empreendimento de pequeno porte.

De acordo com os resultados deste estudo, a sub-bacia do rio Ijuí apresenta-se mais favorável à instalação de hidrelétricas, basicamente em função da degradação dos ambientes do entorno e do grande número de barramentos já instalados.

Os rios Icamaquã e Piratinim, de forma diferente, mantém íntegros grande parte dos seus ambientes. Considerando os resultados obtidos e o critério de manutenção de rios livre, indicado pela Comissão Mundial de Barragens, esses dois rios são apontados como áreas importantes para a conservação. Ao se preservar os rios Icamaquã e Piratinim pretende-se garantir a conservação de dois tipos distintos de rios que possibilitem a manutenção de processos ecossistêmicos naturais como a dinâmica de nutrientes, a zonação natural de hábitats ao longo de seus cursos e a dinâmica das populações de organismos aquáticos silvestres, incluindo a migração de espécies de peixes. Sugere-se ainda que através de ato do poder público, ambas bacias sejam consideradas como patrimônio de relevante importância ecológica do estado do Rio Grande do Sul, merecendo cuidados especiais na conservação da integridade de seus ambientes e processos ecológicos.

A sub-bacia com ambientes mais preservados certamente é a do rio Butuí, conseqüência do padrão menos intenso de exploração dos recursos naturais observado na região. Em função disso e ainda de outros fatores, como a presença da Reserva Biológica do banhado do São Donato, essa é a sub-bacia que apresenta menor favorabilidade à implantação de empreendimentos hidrelétricos, sendo vetada integralmente a instalação de barramentos de qualquer tipo.