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        3. JUSTIFICATIVAS, OBJETIVOS E ESCOPO DO ESTUDO
       


Cruz, Rafael C.; Schwarzbold, Albano;
Machado, Nelson A. F. e Vilella, Fábio S.

A relativa juventude do sistema de licenciamento ambiental implica na necessidade do aperfeiçoamento e invenção criativa de mecanismos que permitam atender às crescentes demandas do licenciamento ambiental.

As urgentes demandas por geração de energia bem como de regularização de fluxos para fins de irrigação pressionam o sistema de licenciamento de forma crescente. Um incremento nessas demandas ocorreu em função, entre outros, da flexibilização das normas do setor elétrico para licenciamento de empreendimentos de geração, conseqüência da crise de fornecimento de energia que resultou no racionamento ocorrido entre os anos de 2001-2002, da abertura da geração para a iniciativa privada e também da modernização da agricultura no planalto Riograndense, que se tornou ávida por água para abastecer seus sistemas de irrigação com pivô central (UFSM, 2002). Para aumentar a demanda, contribui a favorável geomorfologia da Metade Norte do Estado do Rio Grande do Sul, bastante propícia para instalação de barragens. O inventário de possíveis barramentos com fins de irrigação na Parte Norte do Rio Grande do Sul identificou 119 pontos (UFSM, 2002). Destes, considerados os critérios ambientais voltados para projetos hidro-agrícolas, foram identificados 49 locais de barramento viáveis do ponto de vista da vocação agronômica e dos impactos ambientais analisados em macro-escala.

Esta demanda acelerada encontra a Secretaria do Meio Ambiente em fase inicial de implantação e a FEPAM em fase de estruturação dos seus sistemas de bancos de dados e de geo-informação. A existência de orientação para planejamento da gestão ambiental por bacia hidrográfica ou por região, emanada da Constituição Estadual de 1988, resultou em uma reestruturação da FEPAM, com a criação de equipes que atuam de acordo com as regiões hidrográficas do Estado. Apesar desse processo de planejamento já ter sido iniciado com a análise da bacia do Taquari-Antas, os Termos de Referência para análise de impactos de empreendimentos ainda são orientados para o processo ponto-a-ponto.

Esta dinâmica ponto-a-ponto acaba gerando uma sobrecarga de análise de processos muito superior a que seria necessária, caso um sistema de apoio à tomada de decisões, que inclua um filtro inicial com base em um banco de dados georreferenciado, fosse implementado. Este filtro inicial corresponde a um processo de análise prévia de viabilidade de licenciamento de represas já na fase de análise de inventários considerando os efeitos cumulativos e sinérgicos na bacia hidrográfica.

Assim, face à demanda crescente de pedidos de licenciamento e às limitações de pessoal impostas pela nova ordem legal que rege as administrações públicas, torna-se imperiosa a proposição e implementação de um sistema de apoio à tomada de decisões, de escala regional e tendo por base as bacias hidrográficas, que padronize e automatize um crescente conjunto de avaliações de impactos, reduzindo o espaço para a subjetividade no processo de tomada de decisão e o tempo médio de análise de processos, tornando mais transparente o processo para os empreendedores e gerando ganhos sociais significativos, pois se reduziriam os custos na administração pública e o desperdício de recursos por parte dos empreendedores, que não investiriam em áreas previamente vetadas para a instalação de determinados tipos de empreendimentos.

Por ser concebido como um sistema aberto, este sistema de apoio à tomada de decisões deve possuir mecanismos de auto-organização. As exigências de informações devem ser planejadas para formação de um banco de dados orientado para o atendimento do processo de tomada de decisões referentes às diferentes fases do licenciamento. Como esse banco de informações deve possuir dois tipos de alimentação, uma planejada, no sentido de preenchimento de vazios de informações necessárias para o aperfeiçoamento do processo decisório, e outra eventual, referente ao conjunto de informações locais incorporadas através dos estudos exigidos através do licenciamento ambiental, há no tempo uma tendência de que as informações necessárias em fases posteriores do licenciamento de um empreendimento ou de outros empreendimentos no mesmo curso d'água já estejam disponíveis no sistema, agilizando a tomada de decisão.

Esta abordagem, no entanto, impõe a necessidade de uma profunda transformação na atual cultura de disponibilização de dados e de articulação entre instituições públicas e privadas. A pronta disponibilização de dados brutos, via internet, para os diversos atores do processo de tomada de decisões, que envolvem todos os níveis da administração pública e a participação da sociedade, é, hoje, uma necessidade para a evolução do sistema de gerenciamento participativo dos recursos naturais.

Esta abordagem equivale ao que os administradores chamam de data warehouse. Como o licenciamento se dá para empreendimentos localizados no espaço, trata-se de um "spatial data warehouse", que equivale à base de dados de um sistema de informações geográficas (SIG) (FOOTE & LYNCH, 2002). Esses armazéns de dados são uma forma particular de base de dados que permitem, a nível organizacional, desenvolver um ambiente integrado de análise e planejamento estratégico, estando associados a sistemas de análise de dados e garimpagem de dados. "Concebido para armazenar dados de sistemas de apoio à decisão, o data warehouse os reúne, agregando-os conforme a necessidade e permitindo sua recuperação com ferramentas de produtividade para agilizar os processos de gestão" (NALIATO & PASSOS, 2000).

A Figura 3 apresenta um modelo conceitual de um sistema de suporte a decisões. Observa-se que existe uma grande analogia com os diversos módulos que compõem um sistema de informações geográficas (SIG). Os bancos de dados em um SIG compõem-se de bases de dados georreferenciadas compostas por elementos gráficos em modo vetorial ou em matrizes de células (raster) associados a bancos de dados relacionais associados através de uma chave de ligação com o elemento geográfico (atributo da célula no modo raster, ou a um ponto, linha ou polígono em modo vetorial). Os bancos de modelos são representados pelos diversos módulos analíticos presentes nos sistemas de informações geográficas, envolvendo possibilidades de pesquisa por atributos (queries), seleção, corte, operações algébricas de mapas, análise geoestatística e módulos de apoio à decisão, baseados em análise de multi-critérios, entre outras possibilidades. A grande maioria dos sistemas de informações geográficas disponíveis no mercado (como a plataforma ARCGIS, o IDRISI32, disponíveis na FEPAM) ou Freeware (como o SPRING, do INPE) apresentam possibilidade de acesso a outros sistemas. Há uma tendência crescente de compatibilização de formatos entre pacotes que inicialmente não apresentavam possibilidade de trocas de informações.

A implementação destes sistemas de apoio à tomada de decisões, embasados em sistemas de informações geográficas, tem se dado em diversas situações, buscando automatizar e racionalizar os processos de tomada de decisão quanto à avaliação de impactos ambientais. Em Portugal, a equipe coordenada pelo Prof. Marco Painho, do Centro de Novas Tecnologias do ISEGI, tem desenvolvido uma abordagem de projeto de utilização de SIG em gestão ambiental (PAINHO et al., 2003). O desenho proposto visa automatizar uma série de análises espaciais de modo sincrônico com as rotinas de análise de impactos dentro das rotinas de licenciamento.

       
        Figura 3. Modelo conceitual de um sistema de suporte à tomada de decisões.
SGDB é sistema de gerenciamento de banco de dados, SGM é sistema gerenciador de modelos e SSD é sistema de suporte à decisões. Fonte: NALIATO & PASSOS, 2000).

No Brasil, a utilização de SIG como suporte à decisão para localização de barragens já é de uso corrente. Exemplo de aplicações neste sentido são o estudo de localização de uma barragem para abastecimento de água para Cocal do Sul, Santa Catarina (RENUNCIO & LOCH, s.d.), e o inventário de barragens para fins de irrigação na Parte Norte do Rio Grande do Sul (UFSM, 2002).

A Figura 4 apresenta um modelo conceitual para um sistema de apoio à tomada de decisões baseados em geoprocessamento. Este modelo foi proposto por MOREIRA et al. (2001).

Desse modo, a implementação planejada do sistema de apoio à tomada de decisões, organizado no contexto de um sistema de informações geográficas, torna-se uma atividade fundamental para o sucesso da gestão ambiental em bacias hidrográficas (SANTOS et al., 1997), tanto do ponto de vista do planejamento como do licenciamento.

Esta abordagem também está de acordo com as orientações da Agenda 21, que dedicou o capítulo 40 ao tema de informações para a tomada de decisões (CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 2001). A abordagem integrada de alocação dos usos da terra com base em criterioso planejamento é tema do capítulo 10 do mesmo documento.

       
        Figura 4. Modelo conceitual para um sistema de apoio à tomada de decisões baseados em geoprocesssamento.
Fonte: Moreira et al. (2001).

Considerando este contexto, este trabalho tem por objetivo geral conceber um sistema de apoio à tomada de decisões, apoiado em um sistema de informações geográficas, que permita integrar as variáveis de gestão de bacias hidrográficas no processo de licenciamento ambiental de barragens para fins diversos, com ênfase para a geração de eletricidade.